POR: LUCAS MALAGOLI BRAGA, advogado inscrito na OAB/SP sob nº 392.303, com atuação na área Trabalhista Empresarial, especialista em Direito Processual e Material do Trabalho.
Quais as possíveis providências do empregador frente ao empregado que, apesar de não ter idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, possui doença crônica respiratória? Deve ser exigido atestado médico ou declaração de médico especialista para comprovar a sua condição de saúde, possibilitando que ele deixe de prestar serviços no local de trabalho?
Importante esclarecer, por primeiro, que as pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, bem como aquelas que são portadoras de doença crônica respiratória integram o denominado “grupo de risco”1.
Isso significa que, se essa pessoa for contaminada pelo novo coronavírus (covid- 19), haverá maior probabilidade de desenvolver complicações graves e prejudiciais à sua saúde e à própria vida, pelo fato de apresentar um sistema imunológico menos eficiente e fortalecido2.
Duas medidas sensíveis ao exercício das atividades econômicas e profissionais, bem como à própria locomoção dos indivíduos no território nacional são o isolamento e a quarentena3, fixadas no artigo 2º, incisos I e II, da Lei nº 13.979 de 2020, sendo que a segunda medida abarca pessoas que não estão doentes (sintomáticas), tampouco contaminadas.
Se for impactado com uma dessas medidas, será considerado como falta justificada a ausência do empregado no trabalho, nos termos do artigo 3º, §3º, da mesma lei federal.
No entanto, para aqueles empregadores que continuam operando e desenvolvendo suas atividades, seja porque referidas atividades são indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade (como segurança e saúde)4, seja porque não foram objeto de restrição por ato de autoridade competente, o não comparecimento imotivado do empregado, importaria, a princípio, no desconto de salário, além de eventual aplicação de advertência.
Isso porque, mesmo com o advento da Medida Provisória nº 927 de 22 de março de 2020, que trouxe mecanismos para os empregadores adotarem nas relações de trabalho durante o estado de calamidade pública (Decreto Legislativo nº 6 de 2020), inexiste previsão permitindo que o empregado deixe de comparecer ao serviço, por fazer parte do grupo considerado de risco ao covid-19 – como é o caso da questão apresentada: trabalhador portador de doença crônica respiratória.
Do mesmo modo, não há previsão legal obrigando os empregadores a afastarem os empregados pertencentes do “grupo de risco” do coronavírus, o que indicaria a possibilidade de se exigir a regular prestação de serviços5.
Não obstante, ressalta-se a incumbência do empregador em zelar por um ambiente de trabalho salubre e sadio (artigos 7º, inciso XXII, e 225 da Constituição Federal), sendo responsável pela higidez do estabelecimento, como igualmente pela saúde e segurança de todos ali que prestam serviços (artigos 154 e 157 da CLT, e 4º-C, inciso II, da Lei nº 6.019 de 1974).
Pode-se notar que as oito medidas6 implementadas pela Medida Provisória nº 927 revelam uma questão de saúde pública: a necessidade de se evitar concentrações ou aglomerações de pessoas como forma de combater a disseminação do covid-19, como é o caso da instituição (a) do teletrabalho ou (b) do banco de horas, (c) antecipação de férias individuais, bem como (d) da concessão de férias coletivas.
Assim, com a finalidade de diminuir a exposição desse empregado com doença crônica respiratória ao risco de contágio do coronavírus, o empregador poderia adotar um dos mecanismos trazidos pela MP, determinando que ele trabalhe remotamente (teletrabalho ou “home office”), ou concedendo férias individuais ou coletivas, ou constituindo regime especial de compensação de jornada por banco de horas.
Além disso, a depender da previsão nos instrumentos de negociação coletiva, o empregador pode-se valer do instituto do “lay-off”7, nos termos do artigo 476-A da CLT, suspendendo o contrato desse empregado com doença crônica para participação de curso ou programa de qualificação profissional oferecida pelo empregador, havendo o pagamento de bolsa pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), nos termos do artigo 2º-A, da Lei nº 7.998 de 1990.
Com relação à segunda questão a propósito da comprovação da doença crônica respiratória, evidente que, na hipótese de o empregador possuir arquivado e documentado no prontuário de seu empregado referida condição, a exigência de um novo atestado revelar-se-ia inócua.
Com efeito, vindo o empregador a tomar conhecimento apenas na atualidade dessa doença, a princípio, a determinação para que o empregado apresente documento médico (laudo, declaração, exame, atestado) hábil a comprovar a sua condição de saúde estaria respaldada pelo artigo 6º, §1º, alínea ‘f’, da Lei nº 605 de 19498.
Entretanto, ante o cenário bastante extraordinário e peculiar, bem como o estado de transmissão comunitária do covid-19, reconhecido pelo Ministério da Saúde (Portaria nº 454 de 2020), entende-se que poderia ser exigida uma declaração, por escrito, da doença crônica que o empregado se diz portador, sendo por ele assinada, como reconhecem os artigos 219 do Código Civil, e 410, inciso I, do Código de Processo Civil.
Com essa medida, evita-se o risco de o empregado ter sua saúde exposta justamente em locais, onde a chance de contaminação é muito maior (hospitais, centros de saúde e unidades de atendimento), como bem recomenda a indicada Portaria do Ministério da Saúde em seu artigo 4º, no que diz respeito aos idosos:
Art. 4º As pessoas com mais de 60 (sessenta) anos de idade devem observar o distanciamento social, restringindo seus deslocamentos para realização de atividades estritamente necessárias, evitando transporte de utilização coletiva, viagens e eventos esportivos, artísticos, culturais, científicos, comerciais e religiosos e outros com concentração próxima de pessoas.
Nesse sentido, cita-se recente decisão proferida pela 30ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte-MG9, nos autos de ação civil de pública, ajuizada pela municipalidade em face de entidades sindicais patronais, na qual dispensou os trabalhadores do comércio e indústria da capital mineira de apresentarem atestado médico para justificar falta ao trabalho em razão da pandemia do covid-19:
Em segundo lugar, pela possibilidade real daqueles mesmos empregados, ao não obedecerem orientação amplamente difundida, não só se exporem a risco iminente, como também sujeitarem ao mesmo risco outras pessoas que com eles tiverem algum tipo de contato, após o comparecimento no estabelecimento de saúde.
Ademais, a decisão da Justiça do Trabalho mineira também ponderou que a demanda por atendimento nas unidades, como hospitais, sem real necessidade, sobrecarregaria o sistema de saúde, na medida em que o foco do serviço deveria estar direcionado aos pacientes infectados pelo coronavírus.
Uma vez encerrado o estado de calamidade pública e com o gradual retorno à normalidade, o empregador deverá sim exigir a documentação médica que comprove a doença crônica respiratória constante na declaração pessoal do empregado, sob pena de ser ele responsabilizado juridicamente nas diversas esferas.
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1 A Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) considera como “grupo de risco” as pessoas idosas e aquelas com diabetes, doenças cardíacas e pulmonares. OPAS. “Folha Informativa – COVID-19” (doença causada pelo novo coronavírus). Disponível em: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=6101:covid19&Itemid=875. Acesso em 29/03/2020).
2 Em documento relativo às condições de trabalho de 27/02/2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) indicava como pertencentes ao grupo de risco pessoas com idade superior a 40 (quarenta) anos, indivíduos com diabetes, doenças respiratórias e cardíacas, além de moléstias que enfraquecessem a imunidade do corpo humano. World Health Organization. “Getting your workplace ready for COVID-19”. Disponível em: https://www.who.int/docs/default- source/coronaviruse/getting-workplace-ready-for-covid-19.pdf?ua=1 . Acesso em 29/03/2020.
3 O Estado de São Paulo, no dia 22 de março de 2020, sob o Decreto nº 64.881, declarou quarentena em seu artigo 2º, suspendendo o atendimento presencial ao público em estabelecimentos comerciais e prestadores de serviços, como “shopping centers” e academias.
4 O governo federal regulamentou a Lei nº 13.979 de 2020, por meio do Decreto nº 10.282, elencando, em quarenta incisos, os serviços públicos e as atividades essenciais que não serão impactados pelas medidas protetivas e restritivas de combate ao COVID-19.
5 Está para ser votado no Senado Federal o PL nº 702 de 2020 que dispensa a apresentação de atestado médico para justificar falta de trabalhador infectado pelo COVID-19 ou que tenha tido contato com doentes por sete dias, obrigando que o empregado notifique o empregador
imediatamente. (Agência Senado. Disponível em:
https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/03/27/trabalhador-podera-ser-dispensando-de apresentar- atestado-medico-por-covid-19. Acesso em 29/03/2020.
6 Até a presente data, 29/03/2020, trata-se de sete medidas, porquanto aquela atinente à suspensão do contrato de trabalho para qualificação do empregado (artigos 3º, inciso VII, e 18, da MP) foi revogada pela Medida Provisória nº 928 de 2020.
7 Como já adiantava o professor Ricardo Calcini em artigo publicado no portal JOTA em 13/03/2020. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/coronavirus-quais-os-impactos-juridicos-nas-relacoes-trabalhistas- 13032020.
8 “Art. 6º Não será devida a remuneração quando, sem motivo justificado, o empregado não tiver trabalhado durante
toda a semana anterior, cumprindo integralmente o seu horário de trabalho. 1º São motivos justificados: (…) f) a doença do empregado, devidamente comprovada.”
9 Trata-se de decisão noticiada pelo portal JOTA em 21/03/2020. Processo nº 0010213-25.2020.5.03.0109. Decisão publicada em 20/03/2020. Disponível em: https://www.jota.info/tributos-e-empresas/trabalho/justica-dispensa- trabalhador-que-faltar-a-servico-de-apresentar-atestado-medico-21032020. Acesso em 30/03/2020.