POR: KARINA MOTA DE AZEVEDO GENGUINI, advogada inscrita na OAB/SP sob nº 399.508, com atuação na área de Contratos e Direito Societário, especialista em Direito Contratual.
A sucessão no Direito Societário brasileiro pode ser operacionalizada de diferentes formas, a depender do tipo de sociedade em questão e do respectivo contrato social ou estatuto. De maneira geral, há três modalidades: sucessão inter vivos, sucessão causa mortis e a transformação da sociedade (fusão, incorporação e cisão).
Para o presente artigo, iremos abordar as principais características da sucessão causa mortis nas sociedades limitadas, a qual ocorre quando do evento “morte” de algum dos sócios, sendo que, tão logo seja verificado tal evento, de acordo com legislação brasileira, em especial no que se refere ao princípio denominado “saisine”, o acervo patrimonial da pessoa falecida é transmitido aos seus herdeiros legítimos e testamentários (art. 1.784 do Código Civil).
Cabe mencionar que, via de regra, diferentemente de outros bens, para o direito societário, o que ocorre é apenas a transmissão do crédito correspondente às quotas herdadas, visto que a composição social da empresa implica na escolha pessoal de cada pessoa, suas características e qualidades intrínsecas.
No que tange às sociedades, temos que, ocorrendo o falecimento do sócio, há possibilidade de (i) as quotas serem liquidadas e o valor apurado ser quitado aos herdeiros ou legatários ou, se assim prever o contrato social da sociedade, (ii) os herdeiros ou legatários poderão ingressar no quadro social desta, devendo, contudo, serem respeitadas todas as condições impostas no instrumento contratual.
Importante frisar que, de acordo com o art. 1.028 do Código Civil, a regra geral é de que, em caso de morte do sócio, suas quotas serão liquidadas, após ser elaborado um balanço especial para apuração dos seus haveres, sendo que, nesse caso, a data de apuração será a do óbito (art. 605, I, Código de Processo Civil), cujo valor será transmitido a quem de direito, salvo se houver disposição em sentido oposto no contrato social.
Ressaltamos que, ocorrendo essa hipótese, consideramos que houve a dissolução parcial da sociedade em relação ao sócio falecido, devendo, então, ocorrer a redução proporcional do capital social da empresa, salvo se os demais sócios suprirem o valor das quotas liquidadas.
Além disso, cabe mencionarmos que o pagamento dos valores apurados deve ser realizado em dinheiro e no prazo de 90 (noventa) dias a contar da data da liquidação das quotas, inteligência do art. 1.031, § 2º, do Código Civil. No entanto, é possível que o contrato social estabeleça um prazo diferente para o pagamento dos haveres aos herdeiros ou legatários do sócio falecido, o qual, nesse caso, deverá ser observado pelos sócios remanescentes.
Embora o Código Civil tenha regras específicas para regular a morte de um sócio, as quais foram sucintamente expostas acima, é plenamente possível, inclusive desejável, que o contrato social de uma determinada sociedade disponha de previsões específicas em caso de falecimento de um dos seus integrantes, as quais vão prevalecer sobre a legislação vigente, salvo se ofenderem preceito de ordem pública, motivo pelo qual é fundamental que sejam bem redigidas, pensadas e discutidas pelos sócios.
Com relação ao conteúdo da cláusula a ser inserida no contrato social, é possível que essa preveja, por exemplo, os seguintes regramentos: (i) Transferência da participação societária – quais regras deverão ser respeitadas para a transferência da participação societária -; (ii) Direito de preferência – estabelecer eventual preferência dos sócios remanescentes na aquisição das quotas -; (iii) Limitações à entrada de herdeiros e/ou legatários – os requisitos que deverão ser observados pelos herdeiros e/ou legatários para ingresso na sociedade -; (iv) Gestão da sociedade – definir qual será o papel dos herdeiros e/ou legatários na administração da sociedade – (v) Resolução de conflitos – como os conflitos serão solucionados pelas partes.
Essas são apenas algumas das disposições que podem ser incluídas na cláusula mortis do contrato social. Cada sociedade poderá estabelecer as regras que julgar necessárias e adequadas para garantir a continuidade da empresa e proteger os interesses dos sócios e da sociedade como um todo em caso de morte de um dos sócios.
Vale ressaltar que, quando omisso o contrato social ou sendo a cláusula mortis mal redigida, esses fatos poderão trazer sérios problemas, não só para os herdeiros do sócio falecido, mas, também, para os sócios remanescentes.
Imaginem que o sócio falecido era o detentor da quase totalidade do capital social: isso significaria que a sociedade deveria se desfazer de todo o seu patrimônio para o pagamento dos haveres aos herdeiros e/ou legatários? Por esse motivo, a importância de a forma de pagamento prevista na cláusula mortis ser adequada à proporção das quotas possuídas pelo inventariado, de tal forma a não inviabilizar o funcionamento da sociedade ou, pior, causar a sua liquidação total.
Por outro lado, os herdeiros e/ou legatários do sócio falecido não deverão ficar “ad aeternum” aguardando o processo de apuração de haveres para poderem receber os haveres a que fazem jus, devendo a cláusula mortis prever, por exemplo, um pagamento mensal de pró-labore, abatidos ao final, até que sejam homologados os haveres apurados.
Esses são só alguns dos exemplos que acontece no dia a dia de uma sociedade e que, por muitas vezes, são imêmore no contexto societário.
Em conclusão ao presente assunto, temos que, quando o mecanismo de transmissão das quotas for o que preceitua o Código Civil, não há obrigatoriedade da inserção dos herdeiros ou legatários no quadro societário da sociedade por causa do falecimento de um dos sócios, devendo as partes apurarem os haveres do sócio falecido e procederem com o pagamento dos valores devidos nos termos indicados na legislação vigente.
De outro lado, caso a sociedade queira se resguardar nesses casos, uma vez que a sucessão causa mortis no direito societário pode implicar em diversas consequências, as quais devem ser avaliadas caso a caso pelos sócios e herdeiros envolvidos, deverá essa dispor de previsões contratuais que sejam claras e precisas, a fim de evitar conflitos e prejuízos à sociedade e aos seus integrantes, de forma que a transferência do patrimônio do sócio falecido aos seus herdeiros e legatários seja realizada de maneira tranquila e eficaz, preservando, ainda, o interesse da sociedade e de seus sócios originários.