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PODER DISCIPLINAR DO EMPREGADOR

POR: MIRIAN SOARES DE PAULA, advogada inscrita na OAB/SP sob nº 322.520, com atuação na área Trabalhista Empresarial desde 2008, especialista em Direito e Processo do Trabalho.

 

A Consolidação das Leis do Trabalho – CLT viabiliza ao empregador a possibilidade de aplicar sanções ao trabalhador que infrator, partindo do pressuposto que o poder de direção lhe pertence, assim também podendo fazer referência quanto ao risco do negócio, visando sempre manter a ordem e a disciplina no local de trabalho.

Apesar de a Justiça do Trabalho ainda ter uma visão protecionista em relação aos empregados, quando o empregador observa todos os requisitos legais para a aplicação de medidas disciplinares, o convencimento dos fatos e da conduta inadequada cometida pelo empregado torna-se incontestável e, por esse motivo, há que se ter cautela, bom senso, razoabilidade e proporcionalidade.

Pois bem; as medidas disciplinares se dividem em: (i) advertências – verbal ou escrita, sendo utilizada de forma costumeira nos casos em que a atitude do empregado não é tão grave -; (ii) suspensões (artigo 474 da CLT) – que não pode ultrapassar 30 (trinta) dias, sob pena de haver a rescisão indireta do contrato de trabalho, ocasionando a culpa do empregador -; e (iii) aplicação da dispensa por justa causa (artigo 482 da CLT).

Tratando-se das hipóteses de descumprimento da relação de emprego que legitimam a aplicação de uma justa causa, assim faz-se necessário trazer o rol previsto à CLT com um contexto mais objetivo e exemplificativo sobre cada possibilidade:

         a) ato de improbidade;

Quando o empregado atenta contra o patrimônio da empresa ou até mesmo de terceiro. Ex.: Falsificação de documentos para receber horas extras; apropriação indébita; furto.

        b) incontinência de conduta ou mau procedimento;

Incontinência de conduta é o ato que causa perturbação do ambiente de trabalho em razão da conotação sexual. Ex.: troca de fotos pornográficas via “e-mail” corporativo; empregado que instala câmeras em banheiros.

Mau procedimento é aquele que apresenta conduta incorreta e desagradável. Ex.: Falta de educação; linguagem inapropriada no trato com colegas.

       c) negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço;

Negociação habitual se revela quando o empregado perturba o ambiente de trabalho. Ex.: Comercializar produtos durante o expediente sem permissão do empregador.

Concorrência desleal afronta a lealdade contratual. Ex.: Empregado que oferece os mesmos serviços de forma particular, com valor mais acessível que seu empregador.

        d) condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena;

Não basta a condenação, em si, mas quando, em razão de cumprimento da pena, o empregado fica impossibilitado de fazer seu trabalho.

Ex.: Empregado preso com condenação transitada em julgado (ou seja, sem possibilidade de recurso), acaba não tendo como comparecer à Empresa.

Destaque aqui é válido quando ocorre prisão preventiva, o que deve acarretar a suspensão do contrato de trabalho, e não rescisão motivada.

        e) desídia no desempenho das respectivas funções;

O trabalho é feito com “má vontade”, preguiça, desleixo, revelando um comportamento improdutivo e relapso. Ex.: faltas e/ou atrasos injustificados.

       f) embriaguez habitual ou em serviço;

Embriaguez habitual ocorre fora do local de serviço, mas repercute no seu desempenho profissional. Cautela se deve ter, pois o entendimento predominante é que, para cumprir com sua função social, o empregador deve encaminhar o empregador para tratamento médico, e não dispensá-lo.

Embriaguez em serviço ocorre no próprio local de serviço e coloca em risco o ambiente de trabalho, bastando uma única oportunidade.

        g) violação de segredo da empresa;

O empregado quebra a confiança. Ex.: Empregado bancário que revela a senha de clientes.

        h) ato de indisciplina ou de insubordinação;

Indisciplina é ocasionada pelo descumprimento de ordens. Ex.: Fumar em local proibido no ambiente de trabalho.

Insubordinação está mais evidente no descumprimento de ordens pessoais. Ex.: Empregado que deixa de apresentar relatório em prazo previsto.

         i) abandono de emprego;

Empregado que demonstra não ter mais vontade em dar continuidade ao contrato de trabalho e, por isso, sua ausência deve ser ininterrupta e injustificada, com o entendimento pelos Tribunais para se observar o período de 30 (trinta) dias.

         j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;

         k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;

O ato do empregado ofende a honra do empregador, superior hierárquico ou contra terceiros (como calúnia, injuria e difamação).

          l) prática constante de jogos de azar;

A conduta deve ser reiterada, demonstrando que o empregado está praticando jogos de azar no ambiente de trabalho ou que nele haja consequências.

          m) perda da habilitação ou dos requisitos estabelecidos em lei para o exercício da profissão, em decorrência de conduta dolosa do empregado;

Empregado que é motorista e perde sua habilitação de forma dolosa, decorrendo de infrações de trânsito.

Ao empregador também é de suma importância observar a gradação das penas. O que significa? A conduta indevida e inapropriada cometida pelo empregado deve ser proporcional à penalidade aplicada, observando um escalonamento de advertência (verbal e escrita), suspensão (de 01 a 03 dias) até aplicar uma justa causa. É possível que um empregado não tenha histórico algum de comportamento inadequado, mas, de repente, dependendo de sua conduta, de imediato aplicar uma justa causa? É possível, sim, mas deve ser grave o suficiente para obstar a continuidade do contrato de trabalho.

Ademais, compete ao empregador também sempre observar o requisito da imediatidade, sob pena de se configurar o perdão daquele ato cometido (perdão tácito). Logo, ocorrido o fato que é tido por inadequado pelo empregador, a penalidade deve ser aplicada imediatamente, no primeiro contato.

Ao empregador também é vedado aplicar dupla penalidade para o mesmo fato. Exemplificando para se tornar de fácil compreensão, o empregado que falta em dias consecutivos deve receber uma penalidade e não uma penalidade para cada dia que faltou.

Em conclusão, é perfeitamente possível o empregador exercer seu poder disciplinar nas relações de trabalho, mas com cautela, agindo de forma proporcional em relação ao ato cometido pelo empregado e que desrespeita a relação de trabalho, pois qualquer excesso cometido pode invalidar as penalidades aplicadas e, por consequência, também anular uma justa causa aplicada, acarretando a conversão da dispensa motivada em dispensa imotivada e ensejando a condenação ao pagamento das verbas rescisórias previstas e até mesmo indenização.