Skip to content

AFINAL, O CREDOR PODE RETOMAR UM IMÓVEL ALIENADO FIDUCIARIAMENTE POR FALTA DE PAGAMENTO SEM A NECESSIDADE DE DECISÃO JUDICIAL?

POR: LAÍS GONÇALVES GARCIA, advogada inscrita na OAB/SP sob nº 426.709, com atuação na área de Contratos, Consultivo Empresarial e Recuperação de Créditos junto ao escritório Maryssael de Campos Advogados desde 2020, especialista em Direito Processual Civil e Direito Contratual.

 

 

Atualizado em 13/11/2023

 

Há 26 anos, a Lei Federal nº 9.514/1997 instituiu em nosso ordenamento jurídico a possibilidade de alienação fiduciária de bens imóveis. Esse instituto nada mais é do que a possibilidade de que tem o comprador, a fim de obter crédito para a compra de um imóvel, utilizar o próprio imóvel a ser adquirido como garantia do pagamento do financiamento. Nesse sentido, o comprador (devedor/fiduciante) adquire a posse direta do bem enquanto o credor (fiduciário), normalmente uma instituição financeira, permanece com a propriedade resolúvel do imóvel até que o empréstimo seja integralmente quitado. Isso significa dizer que, em caso de atraso no pagamento por parte do devedor, o credor poderá retomar a posse do bem, consolidando a propriedade plena para si próprio.

Ocorre que a Lei supramencionada prevê um procedimento integralmente extrajudicial, independentemente de qualquer de qualquer decisão judicial, para a retomada do imóvel pelo credor em caso de falta de pagamento por parte do devedor, procedimento este iniciado a requerimento do credor pelo Ofício de Registro de Imóveis e que permite a averbação da propriedade plena ao credor na matrícula do imóvel caso o devedor não quite a dívida no prazo concedido para tanto. Após a consolidação da propriedade plena, o credor pode, então, promover leilão público para a vender o imóvel a fim de solver a dívida.

Por muitos anos, tal procedimento gerou controvérsias sob a alegação de que feriria os direitos constitucionais da propriedade privada e de sua função social, do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, o que fez com que, ante a relevância da questão, o Supremo Tribunal de Federal (STF) reconhecesse a repercussão geral da matéria em 2018, resultando no Tema 982[1] para análise do plenário.

Em seu voto, o relator do Tema, Ministro Luiz Fux, realizou uma análise do contexto para a instituição da alienação fiduciária de imóveis, destacando que surgiu como “uma importante alavanca” ao setor imobiliário nacional que estava em decadência após os anos 1980, época em que era regulado pelo Sistema Brasileiro de Habitação (SFH) e contava, principalmente, com garantias hipotecárias. Ele pondera que a alienação fiduciária em garantia, em última análise, permitiu o reaquecimento do setor imobiliário no país, conferindo maior segurança aos credores e, consequentemente, facilitando a obtenção de crédito e reduzindo os juros, resultando em maior geração de renda e empregos, ampliação do acesso à moradia e o crescimento da economia como um todo.

O Ministro ainda apontou que o procedimento extrajudicial para a recuperação do bem não fere a Carta Magna na medida em que, caso seja verificada alguma irregularidade, o devedor fiduciário pode, a qualquer momento, acessar o Poder Judiciário para a garantia de seus direitos e controle da legalidade do procedimento e que, de toda forma, a cláusula de alienação fiduciária foi livremente pactuada entre as Partes (“pacta sunt servanda”), não podendo ser afastada. Ele reitera também, que não há ofensa ao direito de propriedade na medida em que, na alienação fiduciária, a propriedade somente é concretizada nas mãos do devedor com a quitação integral da dívida e que, até que isso ocorra, ele possui apenas a “expectativa do direito à propriedade”.

Apenas os Ministros Edson Fachin e Carmen Lúcia divergiram do voto do Relator e o julgamento do Tema foi concluído no final de outubro último, por um placar de 8 (oito) a 2 (dois), tendo, portanto, o STF reconhecido a constitucionalidade do procedimento previsto na Lei Federal nº 9.514/1997 através da seguinte tese:

“É constitucional o procedimento da Lei nº 9.514/1997 para a execução extrajudicial da cláusula de alienação fiduciária em garantia, haja vista sua compatibilidade com as garantias processuais previstas na Constituição Federal”.

EM CONCLUSÃO: A resposta ao questionamento inicial é SIM! De acordo com o STF, não há necessidade de provimento jurisdicional para o procedimento de retomada do bem pelo credor, ficando assegurado ao devedor, caso se sinta lesado de alguma forma ou verifique qualquer irregularidade no procedimento, o acesso ao Poder Judiciário. Nesses casos, é importante contar com uma assessoria jurídica especializada para acompanhar os procedimentos extrajudiciais e, se o caso, recorrer ao Judiciário para sanar qualquer ilegalidade.

A equipe Contratual do Maryssael de Campos Advogados está preparada e à disposição para sanar todas as suas dúvidas e fornecer maiores informações sobre o tema!

——————————————————————————————————————-

[1] Tema 982 de Repercussão Geral: Discussão relativa à constitucionalidade do procedimento de execução extrajudicial nos contratos de mútuo com alienação fiduciária de imóvel, pelo Sistema Financeiro Imobiliário – SFI, conforme previsto na Lei n. 9.514/1997.

Descrição: Recurso extraordinário em que se discute, à luz do art. 5º, incs. XXXV, LIII, LIV e LV, da Constituição da República, a constitucionalidade do procedimento de execução extrajudicial, previsto na Lei n. 9.514/1997, nos contratos de mútuo com alienação fiduciária do imóvel, pelo Sistema Financeiro Imobiliário – SFI.